REDES SOCIAIS, O DIREITO E A SAÚDE

O artigo visa uma interpretação a temática abordada no documentário “dilema das redes” de Jeff Orlowski, sob o viés realístico, destacando o impacto a saúde e o bem-estar do usuário e a interpretação da problemática sob o ponto de vista da legislação brasileira. Até onde as redes sociais levará seus usuários? Sua saúde é importante para você? Que tempos são estes em que nossos direitos individuais são descaradamente violados?

Cindy Caldas

5/28/202312 min read

REDES SOCIAIS, O DIREITO E A SAÚDE

INTRODUÇÃO

O artigo visa uma interpretação a temática abordada no documentário “dilema das redes” de Jeff Orlowski, sob o viés realístico, destacando o impacto a saúde e o bem-estar do usuário e a interpretação da problemática sob o ponto de vista da legislação brasileira.

O documentário versa sobre a forma em que os algoritmos de recomendação analisam o comportamento dos usuários e buscam mantê-lo na plataforma por mais tempo do que previamente estipulado, tornando o usuário cada vez mais viciado e engajado na plataforma. Ocorre que, os conteúdos apresentados nas plataformas, muitas vezes, apenas reforçam crenças e opiniões pré-existentes, levando o usuário a um conflito e fragmentação da sociedade.

Encontra-se a discussão acerca da coleta de dados pessoais pelas redes sociais e as possíveis violações a legislação brasileira, assim como malefícios a saúde mental do usuário, que se tornam cada vez mais vulneráveis frente a exploração da plataforma na vida pessoal deste. Uma vez que os dados coletados, são utilizados pela plataforma, ao segmentar anúncios e influenciar o comportamento dos usuários de forma altamente direcionada. Ocasionando, por sua vez, problemas a saúde mental do indivíduo, como ansiedade, depressão, distúrbios dimórficos corporais, baixa autoestima.

Além de toda problemática supracitada, também, merece destaque a exploração das redes sociais para a disseminação de desinformação, no qual acaba por gerar as fakes News, que podem ocasionar em serias consequências a vida dos usuários e não usuários, afinal, você não precisa ser um usuário para ser vítima de fake News. Além disso, a desinformação e fake News, ameaçam diretamente a democracia, como podemos ver nas épocas de eleições. O uso das redes sociais, saiu de uma prática saudável para a utilização desenfreada e para a prática de condutas abusivas que resultam diversas vítimas, sejam elas, usuários ou não.

Contudo, podemos perceber o efeito negativo na utilização das redes sociais para a saúde, violação dos direitos pessoais e proteção de dados e a sociedade em geral. Assim como dito no documentário, “quando não compramos um produto, é por que somos o produto”, e é isso que nos preocupa. Até onde isso nos levará? Além disso, por mais surpreendente que possa parecer, nossos direitos individuais têm sido violados descaradamente e por mais surpreende que possa parecer, regredimos significativamente e estamos tendo que lutar por nossos direitos mais básicos novamente, façamos as palavras de Bertolt Brecht as nossas, quando este diz: “Que tempos são estes, em que temos que defender o óbvio?” e é exatamente esta a discussão que abordaremos a seguir.

DESENVOLVIMENTO

· O PODER DOS ALGORITMOS

Basicamente o que mantem as redes sociais, são os algoritmos, eles são responsáveis por personalizar e otimizar a experiência do usuário. Desta forma, é o responsável por influenciar de forma exorbitante o comportamento e as percepções das pessoas.

Nas redes sociais, os algoritmos são utilizados para analisar e compreender os interesses, preferência e comportamentos do usuário, desta forma, tudo o que você clica, assiste, o tempo que o utiliza, fica armazenado e este banco de dados são utilizados para que o usuário tenha a melhor experiência na plataforma, para que seja recomendado o conteúdo que melhor se adequa ao seu perfil, a recomendação que combina com você e assim as chances de você permanecer na plataforma e de adquirir tudo o que é recomendado por estes aumenta significativamente.

Muitas vezes, os algoritmos podem trabalhar em forma de criar uma bolha de filtragem, na qual o usuário terá apenas a exposição a expectativas diferentes das suas. Sendo assim, as plataformas explorando os interesses prévios do indivíduo e aproveitam-se disso reforçando e ampliando as visões e opiniões já existentes, o que os leva ao isolamento a ideias contrárias, desta forma, o usuário tem apenas informações restritivas sobre determinado assunto, porém, é o suficiente para que modifique sua vida e forme uma opinião sobre determinada temática, suficiente para que este acredite fielmente e passe a defende-la, gerando muitas vezes, a desinformação o que resulta na ameaça a democracia. É fundamental o debate saudável sobre a diversidade de pontos de vista, pois não podemos afirmar que haja uma verdade que seja absoluta, uma vez que até o que parece ser absoluto, sob os diferentes vieses se torna relativo.

Os algoritmos também têm a capacidade surpreendente de influenciar o comportamento dos usuários. Para entender isto, basta lembrar em quantas vezes você pegou seu celular inconscientemente e entrou em suas redes sociais, depois parou para pensar... “Humm, o que estou fazendo aqui?” Ou então, você entrou em sua conta na rede social para fazer determinada pesquisa ou verificar determinado assunto e passou horas enquanto você navegava pelo feed. Seu objetivo era apenas verificar um assunto, mas você foi influenciado inconscientemente a permanecer na plataforma. O artigo não é uma teoria da conspiração, não estou escrevendo este artigo para te transformar em um “hater” das plataformas ou expressando minha aversão, apenas escrevo para conscientizar sobre a verdade implícita. Estes algoritmos são utilizados não apenas para te influenciar a passar mais tempo na plataforma, mas também a interagir, participar ativamente, influenciar suas opiniões políticas, suas emoções e até te a fazer compras que na realidade você não precisa, mas é convencido de que merece ou que você precisa, tais como aquela blusa guardada no seu armário que você usou uma única vez ou o chaveiro de ursinho que você viu e afirmou que precisava.

· COLETA DE DADOS PESSOAIS

A essa altura você provavelmente já tenha noção que as redes sociais coletam os dados pessoais para que possa explorá-lo. Levantando imensa preocupação sobre privacidade e segurança. Mas, talvez, o que você não saiba é que na legislação brasileira, há algumas leis que regulam a proteção dos dados pessoais, tais como a LGPD e o Marco Civil da Internet.

O artigo 7º da LGPD, trata das bases legais para o tratamento de dados pessoais, como o consentimento do titular dos dados, desta forma, segundo o artigo, para que haja a exploração dos dados pessoais é necessário que haja o consentimento do titular. Partindo da premissa e trazendo ao caso concreto, para que haja a exploração dos dados pessoais é necessário que a plataforma informe ao usuário. Talvez, o que você não saiba é que ela de fato informa, através dos termos e condições, a pergunta que fica é “Você leu os termos e condições antes de criar sua conta?” É possível que não, acredito que se você soubesse que está sendo comunicado que sua câmera será monitorada mesmo sem você abri-la, você não concordaria. Ou que seu microfone está te gravando mesmo quando não está acessando o aplicativo, você não permitiria.

A LGPD trás diversos artigos que trata diretamente acerca da proteção aos dados pessoais do indivíduo, tais dispostos de fato são cumpridos pela plataforma, ocorre que, os usuários não os percebem. O que os usuários não sabem é que “Os dados são o novo petróleo do século XXI”.

O marco civil da internet, por sua vez em seu artigo 7º e 10 “assegura a inviolabilidade e a proteção da privacidade e dos dados pessoais dos usuários da internet e estabelece a necessidade de consentimento expresso do usuário para a coleta, uso e armazenamento de seus dados pessoais.” Porém, mesmo havendo a regulamentação legal que assegura a inviolabilidade, esta, ainda ocorre, pois para os proprietários das plataformas, mais vale explorar os dados dos indivíduos até que a prática se torne inviável a estes, do que seguir a legislação de determinado local. Ocorre que, para estes grandes desenvolvedores e empresários, mais vale pagar uma pequena indenização aos usuários que restam violados e prejudicados do que perder milhões ao deixar de praticá-lo.

O que o usuário precisa ter em mente é que, assim como os desenvolvedores de grandes plataformas dizem no documentário “Se você não está pagando pelo produto, então você é o produto”. (Dilema das redes) É exatamente isto, você não paga para utilizar a plataforma e por 4 horas diária de satisfação ao utilizá-la, mas seus dados pagam por isto, você é o produto principal, seus dados são! Lembra o que eu disse acima, sobre os dados serem o petróleo do século XXI? Infelizmente você tem doado seu bem tão precioso por nada.

· IMPACTO NA SAÚDE

A utilização pode causar muitos malefícios a saúde física e psicológica dos usuários e indivíduos a sua volta. Não é novidade que as pessoas têm se tornado mais radicais do que nunca, também não é novidade a crescente margem estatística de depressão, ansiedade e suicídios entre os jovens e adolescentes.

Infelizmente, isto pode ter sido ocasionado pelo uso das redes sociais. O design, notificações constantes, feedback imediatos e recompensas constantes, são meios que as plataformas utilizam para prender o usuário por mais tempo, é como uma casa de drogas, onde no início você experimenta e fala “Não, eu não vou ficar viciado, vou usar só 5 minutos, tá tudo bem!” Aí passa horas e você ainda está ali, pensando na foto que você postou, "será que terei muitas curtidas? Será que vai ter comentários?" A plataforma também pensou nisso, a recompensa está nas curtidas e nos comentários, sua mente fica ligado naquilo, você cria expectativa, atualiza o feed constantemente em busca de realização e mais satisfação, daí chega a notificação. É como o efeito energizante no ápice do consumo da droga. Aí as notificações daquela foto acabam e o aplicativo te lembra de postar uma nova foto ou compartilhar um novo meme, e o ciclo se repete, por horas, dias, meses, anos. Funciona exatamente como o efeito de drogas, por isso você fica tão viciado e preso a plataforma. E com o vício, vem os prejuízos a saúde mental, insônia, ansiedade, dependência, irritabilidade, falta de autocontrole.

A ansiedade está presente pois o excesso de informação, pressão social e a necessidade de está sempre conectado acaba resultando em altos níveis de estresse e ansiedade. A Depressão por sua vez, resulta pela comparação social e como supracitado a exposição a conteúdos negativos, a sensação de estar sozinho e de perder momentos especiais e únicos. Pois embora as redes sociais possam conectar pessoas virtualmente, ela também afasta os mais próximos. "Quantas vezes você foi em um lugar onde havia duas pessoas sentadas próximas e as duas no celular? Quantas vezes você encontrou um amigo e ao invés de conversar, ambos permaneceram no celular, tiraram uma self e colocaram uma legenda fofa, mas não aproveitaram realmente a presença do outro? Muitas vezes, certo?"

Além disso, porque não falamos das versões idealizadas de pessoas perfeitas, corpos perfeitos, rostos perfeitos e padronizados, pois a moda do momento é parecer natural, muitos influenciadores vendem a imagem perfeita e natural, enquanto no secreto, fizeram mais de 15 cirurgias para obter aquele resultado, mas o pior disso é que os usuários, seguidores e expectadores, também querem parecer natural ou perfeito. O natural é tão perfeito, todos querem ser. Ocorre que, ao se inserir no mundo virtual, perdemos a visão da realidade e ao olharmos para o espelho, começamos a nos odiar. “Por que sou tão feia? Por que meu nariz não é fino ou por que meu corpo é assim?” Com isso, desenvolvemos não apenas baixa autoestima, mas talvez distúrbios corporais, anorexia, bulimia, distúrbio dimórfico corporal. Quantas vezes admirávamos partes de nós mesmos, até que uma pessoa falou mal e você passou a se odiar. "Você é mais bonito quando não ouve a opinião do outro", temos que acreditar e perceber que somos como deveríamos ser, além disso, somos imagem e semelhança do Criador (Bíblia Sagrada, Gn 1:26), não deveríamos questionar tanto ou nos odiarmos tanto.

A verdade é que a sociedade está gravemente doente, o pior é que o que a tornou assim foi o excesso de informação, tínhamos tudo para sermos pessoas evoluídas, com alto intelecto, mas infelizmente, a ignorância venceu e tem gerado muitas vítimas. A opinião dos outros não é mais importante do que aquilo que você vê no espelho. Ocorre que você não precisa da aceitação dos usuários de internet, preste atenção no seu amigo ao lado, tente ficar sem utilizar as redes sociais ou o seu celular enquanto estiver encontrando alguém especial, vale a pena aproveitar o momento, as oportunidades, num piscar de olhos aquela pessoa pode não está mais aqui ou você pode não está aqui. Aproveite a oportunidade, viver é um presente.

· REGULAMENTAÇÃO, RESPONSABILIDADE, CONSCIENTIZAÇÃO, AÇÃO E CONCLUSÃO

Plataformas de tecnologia deveriam ser severamente punidas pela violação constantes as leis que regulamentam a proteção de dados, individuais tem constantemente sua privacidade violada, há 100 anos atrás, nossos antepassados lutavam por respeitos aos seus direitos individuais, seus direitos humanos. Hoje, novamente estamos lutando por nossos direitos individuais, é um absurdo que temos que lutar por algo que é obvio, porém não respeitado.

É preciso urgentemente um plano de política universal capaz de punir a violação aos direitos do indivíduo e a exploração aos usuários.

Porém, é certo que se não houver usuários, não haverá exploração, se houve produto, não haverá venda. A conscientização é de suma importância, pois é através dela que se pode enxergar claramente, é impossível viver atualmente longe de todas as tecnologias, o mundo mudou, evoluiu, mas a sociedade em um todo deve estar consciente sobre qual a posição que ela está se colocando. Qual a posição que você está ocupando? Você é aquele que se vende por um mínimo de satisfação?

A recomendação é a conscientização, você precisa estar consciente do que está aceitando ou acessando. A partir da conscientização, muita coisa pode ser reavaliada e evitada. Incialmente pode-se parecer uma visão exagerada da realidade, mas tal pensamento facilmente cai por terra quando podem notar que os criadores das plataformas na maioria das vezes não a utiliza, assim como não permite que seus filhos utilize. Se é por pura satisfação e prazer momentâneo por qual razão os criadores e desenvolvedores não estão utilizando? A resposta é simples, quem cria a "droga" capaz de gerar dependentes não a utiliza, pois conhece seu funcionamento e as consequências. E para as perguntas que surgiram na sua cabeça, recomendo uma pesquisa aprofundada sobre o assunto e assista o documentário " O dilema das redes".

FONTES

· Andreassen, C. S., et al. (2017). Development of a Facebook Addiction Scale. Psychological Reports, 110(2), 501-517.
· A ANPD é o órgão responsável pela fiscalização e regulamentação da LGPD no Brasil. Seu site oficial (www.gov.br/anpd) oferece informações atualizadas sobre a legislação, diretrizes e orientações para a proteção de dados pessoais.
· "Building a Better Data Economy", Data & Society Research Institute, disponível em: https://datasociety.net/pubs/building-a-better-data-economy/
· Documentário "O Dilema das Redes" - Direção de Jeff Orlowski, lançado em 2020
· Fardouly, J., Diedrichs, P. C., Vartanian, L. R., & Halliwell, E. (2015). Social comparisons on social media: The impact of Facebook on young women's body image concerns and mood. Body Image, 13, 38-45.
· Fonte: "Echo Chambers in Online Social Networks" - ACM Transactions on Information Systems, 2015
· Fonte: "The Age of Surveillance Capitalism" - Shoshana Zuboff, 2018.
· Fonte: "The Filter Bubble: How the New Personalized Web Is Changing What We Read and How We Think" - Eli Pariser, 2011.
· Fonte: "Weapons of Math Destruction: How Big Data Increases Inequality and Threatens Democracy" - Cathy O'Neil, 2016.
· Kross, E., et al. (2013). Facebook Use Predicts Declines in Subjective Well-Being in Young Adults. PLOS ONE, 8(8), e69841
· Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) - Lei nº 13.709/2018.
· Lin, L. Y., et al. (2016). Association between Social Media Use and Depression among U.S. Young Adults. Depression and Anxiety, 33(4), 323-331
· Os órgãos estaduais de defesa do consumidor, como o Procon, também podem fornecer orientações e informações sobre a proteção de dados pessoais nas redes sociais. Recomenda-se consultar o Procon de sua região para obter mais detalhes.
· Primack, B. A., et al. (2017). Social Media Use and Perceived Social Isolation among Young Adults in the U.S. American Journal of Preventive Medicine, 53(1), 1-8
· "Regulamentação da Privacidade Online", Federal Trade Commission (FTC), disponível em: https://www.ftc.gov/privacy-and-security
· "Screen Time and Mental Health: A Systematic Review of Reviews", PLOS ONE, disponível em: https://journals.plos.org/plosone/article?id=10.1371/journal.pone.0228010
· "Social Media and Mental Health: Benefits, Risks, and Recommendations for Young People's Use", Royal Society for Public Health (RSPH), disponível em: https://www.rsph.org.uk/our-work/campaigns/status-of-mind.html
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· "Taking a Break from Social Media: Understanding the Effects on Well-being", Cyberpsychology, Behavior, and Social Networking, disponível em: https://www.liebertpub.com/doi/10.1089/cyber.2016.0259
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· "Taking Back Control: A Comprehensive Approach to Tackling Online Manipulation", Center for International Governance Innovation (CIGI), disponível em: https://www.cigionline.org/publications/taking-back-control-comprehensive-approach-tackling-online-manipulation